Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL) estima que, só em 2024, a arrecadação do jogo do bicho alcançou R$ 12 bilhões em mais de 350 mil pontos de venda; legalização pode gerar tributos e empregos
O jogo do bicho segue presente na cultura brasileira e movimenta muito dinheiro no País apesar de ser classificado como ilegal desde 1941, por meio da Lei de Contravenções Penais. O Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL) estima que, só em 2024, a arrecadação alcançou R$ 12 bilhões em mais de 350 mil pontos de venda – número que supera, com folga, as 12.600 lotéricas da Caixa Econômica Federal.
Mesmo à margem da lei, o jogo do bicho se mantém popular e funciona quase como um comércio informal, o que levanta questionamentos do porquê a modalidade ser proibida e os efeitos reais de uma legalização, como as federais.
Nesta matéria do E-Investidor reporta como especialistas avaliam a questão.
Antes de entender como funciona o jogo do bicho, o leitor deve saber que existem figuras que controlam as , como o banqueiro, o bicheiro e o anotador. Assim, funciona quase como uma verdadeira empresa, em que existe o patrão, o gerente e o funcionário. Veja cada uma das funções abaixo:
⇒ Banqueiro: responsável por financiar o jogo e assumir os riscos financeiros. Ele é o dono da operação em uma determinada área, recolhe os valores das e arca com o pagamento dos prêmios aos vencedores.
⇒ Gerente ou bicheiro: administra uma ou mais bancas e coordena o fluxo de naquela região. Ele supervisiona os anotadores e atua para que tudo funcione conforme o esquema.
⇒ Anotador, cambista ou apontador: registra as , geralmente em blocos, cadernos ou até sistemas eletrônicos. É essa figura que lida diretamente com o público, atuando como o elo entre o apostador e a estrutura do jogo.
Apesar das denominações, no dia a dia, quase sempre os três são referidos como bicheiros.
Mas só é possível jogar por meio de uma lista de números representados por 25 animais, sendo cada bicho correspondente a quatro dezenas. Do avestruz (01,02,03,04) à vaca (97,98,99,00), eles somam 100 dezenas.
Veja todos os grupos do jogo do bicho separados por animais
Grupo
Animal
Dezenas
01
Avestruz
01 – 02 – 03 – 04
02
Águia
05 – 06 – 07 – 08
03
Burro
09 – 10 – 11 – 12
04
Borboleta
13 – 14 – 15 – 16
05
Cachorro
17 – 18 – 19 – 20
06
Cabra
21 – 22 – 23 – 24
07
Carneiro
25 – 26 – 27 – 28
08
Camelo
29 – 30 – 31 – 32
09
Cobra
33 – 34 – 35 – 36
10
Coelho
37 – 38 – 39 – 40
11
Cavalo
41 – 42 – 43 – 44
12
Elefante
45 – 46 – 47 – 48
13
Galo
49 – 50 – 51 – 52
14
Gato
53 – 54 – 55 – 56
15
Jacaré
57 – 58 – 59 – 60
16
Leão
61 – 62 – 63 – 64
17
Macaco
65 – 66 – 67 – 68
18
Porco
69 – 70 – 71 – 72
19
Pavão
73 – 74 – 75 – 76
20
Peru
77 – 78 – 79 – 80
21
Touro
81 – 82 – 83 – 84
22
Tigre
85 – 86 – 87 – 88
23
Urso
89 – 90 – 91 – 92
24
Veado
93 – 94 – 95 – 96
25
Vaca
97 – 98 – 99 – 00
Quais são as possíveis no jogo do bicho?
A partir da lista, é só escolher um dos animais ou apostar em dezenas específicas. Por exemplo, ao apostar no carneiro, o jogador automaticamente está escolhendo as dezenas 25, 26, 27 e 28 — e ganha se uma dessas for sorteada. Já para jogar em um número exato, basta escolher a dezena desejada, independentemente do animal a que ela está associada.
Também é possível apostar em uma centena. Nesse caso, o jogador escolhe uma dezena de algum animal e adiciona um número na frente. Suponhamos que alguém queira apostar na dezena 99, que pertence à vaca, e coloque o número 2 antes. Assim, ele forma a centena 299. Se no sorteio sair, por exemplo, o número 3299, o jogador ganha, já que os três últimos dígitos correspondem à centena escolhida.
Por fim, é possível apostar em um milhar completo. A lógica funciona como a da centena: o jogador escolhe as duas últimas dezenas – que devem pertencer a um dos animais – e acrescenta mais dois números na frente, formando um número de quatro dígitos. Assim, se ele apostar no milhar 3299, ganha apenas se esse número exato for sorteado.
Depois, o apostador deve aguardar o sorteio, que pode ser realizado tanto pelos organizadores do jogo, quanto por meio dos números sorteados nas federais. Assim como nas , o prêmio varia conforme a probabilidade de acerto, ou seja, quanto maior o valor, menor a possibilidade de ganhar. Além disso, o prêmio é multiplicado pelo valor da aposta, independentemente do valor.
Loteria, jogo do bicho e bets são investimentos?
Mesmo populares – e vislumbrados por tantos como forma de enriquecer –, tanto o jogo do bicho quanto as são considerados de azar, por dependerem exclusivamente da sorte e do acaso, além de compartilharem o chamado “fator de risco”. Apesar de o retorno ser bastante alto para os sortudos que ganham, de acordo com o especialista em investimentos Virgílio Lage, o jogo do bicho, as e até as bets não são confiáveis como fonte de renda extra – embora sejam arriscadas de formas diferentes.
“Todos eles têm altíssimo risco, mas com algumas diferenças. As oficiais da Caixa são legalizadas, fiscalizadas, pagam prêmios conforme as regras e destinam parte da arrecadação para áreas como saúde, educação e segurança“, explica o especialista sobre as .
Já sobre as bets, que são as online, e sobre o famoso ‘tigrinho‘, Virgílio afirma que existe um risco de perda total, além das ameaças de manipulação de resultado.
O jogo do bicho, por sua vez, não sofre qualquer regulação ou fiscalização. “O apostador não tem a quem recorrer caso for lesado. Existe também o risco de envolvimento indireto com organizações criminosas, que é o cenário de maior risco operacional hoje”, avalia o especialista.
O jogo do bicho será legalizado como as ?
Em 2022, o Projeto de Lei nº 2.234/2022 começou a tramitar no Congresso com o objetivo de regulamentar o jogo do bicho, além de cassinos, bingos, caça-níqueis e online, por meio de concessões, fiscalização, pagamento de tributos, além de medidas para mitigar impactos sociais. No entanto, até o momento, a proposta segue sem desfecho. Uma votação prevista no Senado em 8 de julho de 2025 foi adiada, sem nova data definida.
Tanto Lage quanto Franchescoly Carnevale, advogado cível, reconhecem que a possível legalização prevista no projeto pode gerar consequências positivas e negativas. Em relação ao jogo do bicho, o advogado cita que o texto do projeto prevê a criação de empresas credenciadas a cada cidade de 700 mil habitantes para explorar, legalmente, a modalidade – além da criação de dois novos impostos.
Esses seriam: a Taxa de Fiscalização de e (Tafija), paga a cada três meses, no valor de R$ 20 mil para operadoras de jogo do bicho; e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a comercialização de e (Cide-), que teria uma alíquota de até 17% sobre a receita bruta – ou seja, a diferença entre valor das e prêmios pagos de todas as iniciativas do setor.
“Parte dos recursos também teria que ser destinada a ações de prevenção ao vício em , em saúde, segurança pública, proteção dos animais, financiamento estudantil, ações em áreas impactadas por desastres naturais e no Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA)”, complementa.
O apostador também será afetado financeiramente com a legalização, pois deverá pagar 20% de Imposto de Renda (IR) sobre os ganhos acima de R$ 10 mil. A proposta completa está disponível publicamente no site do Senado para quem desejar consultar.
De acordo com a Casa, as estimativas de Irajá Abreu (PSD-TO), relator da proposta de legalização, indicam que as atividades pode gerar investimentos de R$ 100 bilhões e criar cerca de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. Já a arrecadação potencial chega aos R$ 22 bilhões ao ano.
Quais os riscos sociais da legalização do jogo do bicho?
Apesar da movimentação econômica, Lage se preocupa, sobretudo, com os riscos da legalização dos de azar – incluindo o jogo do bicho – na saúde financeira dos brasileiros. “Em teoria, legalizar o jogo do bicho poderia trazer benefícios, pois poderia gerar arrecadação de impostos, empregos formais e reduzir a criminalidade associada à clandestinidade. Mas, por outro lado, tem estudos que mostram os riscos sociais, como o vício em de azar, aumento de vulnerabilidade financeira, endividamento crônico de muitas famílias, que muitas vezes superam os ganhos fiscais”, explica.
O especialista complementa que, se o jogo for realmente regulamentado, seria necessário uma lei robusta, com controle, auditoria, campanhas de prevenção e programas de apoio a dependentes, como ocorre em outros países onde os cassinos, por exemplo, são liberados.
Canevale concorda com o pensamento de Lage, mas vai um pouco além: para ele, a proibição é fruto de preconceito social e cultural. “É uma prática popular, enraizada em comunidades, mas ainda tratada com estigma, como se fosse algo menor ou marginal. Enquanto isso, outras formas de aposta, como e online, são legalizadas e até incentivadas pelo próprio Estado, o que mostra uma clara contradição”.
O advogado também comenta que, se houver uma legalização do jogo do bicho, que hoje movimenta bilhões às escondidas, o risco de vinculação ao crime organizado diminuiria substancialmente.
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