

Atualmente, com o vertiginoso crescimento da indústria de esportivas online no Brasil trouxe significativos avanços legais e regulatórios, especialmente com a promulgação da Lei nº 14.790/2023, conhecida como a “Lei das Bets”. Esta legislação estabeleceu um arcabouço robusto para a operação das de quota fixa, abordando aspectos cruciais como proteção ao consumidor, transparência e tributação. Contudo, a aplicação das normas de defesa do consumidor, em especial o Código de Defesa do Consumidor (CDC), aos contratos de online suscita questões complexas devido à sua natureza peculiar como contratos aleatórios. A análise a seguir explora a limitada aplicabilidade do CDC no contexto das online, destacando as características distintivas desses contratos e suas implicações para operadores e apostadores, com foco no direito de arrependimento e no princípio da irrestituibilidade das realizadas voluntariamente.
1 DA LIMITADA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM ONLINE.
A consolidação jurídica das de quota fixa sobre eventos esportivos no Brasil é fruto de um processo legislativo relativamente recente, cuja trajetória normativa revela uma lenta, porém progressiva, preocupação com a regulamentação adequada dessa atividade econômica. Desde a promulgação da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, que instituiu os primeiros contornos legais das esportivas no Brasil, o tema ganhou crescente relevância no debate público e jurídico, impulsionado não apenas pelo seu vertiginoso crescimento econômico, mas também pelos impactos sociais e institucionais que decorrem da sua expansão.
A referida norma de 2018 inovou ao inserir, no ordenamento jurídico nacional, uma modalidade lotérica até então inexistente no país: a aposta de quota fixa. De acordo com seu texto, essa modalidade consiste na realização de em eventos reais, esportivos ou não, com a definição prévia da taxa de retorno (a “quota”) a ser paga em caso de acerto do apostador. Embora a Lei nº 13.756/2018 tenha determinado a necessidade de regulamentação da atividade em até dois anos — prazo esse prorrogável por igual período —, a regulamentação efetiva da atividade só se materializou anos depois, com a sanção da Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, conhecida como “Lei das Bets”.
A nova lei, sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um marco regulatório mais robusto, disciplinando com maior minúcia as bases da exploração comercial das de quota fixa, ao estabelecer critérios objetivos para concessão de autorizações, normas de transparência, mecanismos de proteção ao consumidor, sanções administrativas e uma estrutura tributária voltada à arrecadação e fiscalização da atividade. A Lei nº 14.790/2023 tem por objetivo não apenas permitir a exploração de uma atividade econômica potencialmente lucrativa para os entes públicos e privados, mas também assegurar a integridade dos , prevenir práticas abusivas e garantir direitos mínimos aos apostadores.
Dentre os aspectos mais relevantes introduzidos pela nova legislação está o reconhecimento explícito dos direitos dos apostadores como consumidores, nos moldes do que preconiza o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O artigo 27 da nova norma afirma de forma categórica que são assegurados aos apostadores todos os direitos previstos no CDC, incluindo, mas não se limitando, à informação adequada sobre regras e riscos das , à transparência dos canais utilizados para realização das , à clareza quanto aos critérios de aferição de prêmios e à proteção de seus dados pessoais, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).
Contudo, embora a legislação aponte para uma tentativa de equiparação entre o apostador e o consumidor tradicional, é necessário reconhecer que há importantes distinções jurídicas e conceituais entre esses dois polos contratuais. Em que pese a garantia legal de direitos semelhantes, a relação contratual firmada no contexto das esportivas não se confunde, ontologicamente, com a típica relação de consumo. Trata-se, nesse caso, de um contrato de alea — ou contrato de sorte — cuja principal característica é a incerteza quanto ao resultado e à existência de uma contraprestação econômica em função de um evento futuro e incerto. Diferentemente do contrato de consumo, no qual há a clara prestação de um serviço ou fornecimento de produto mediante pagamento de um preço, nas , o pagamento do prêmio depende da ocorrência de um evento que escapa completamente à vontade das partes.
Essa distinção não é meramente teórica, mas possui implicações práticas relevantes, especialmente no que diz respeito à responsabilização do operador da aposta, à proteção dos direitos do apostador e à aplicação dos princípios da boa-fé, da vulnerabilidade e do equilíbrio contratual. Enquanto o CDC estrutura-se sobre a premissa de que o consumidor é parte hipossuficiente na relação e, por isso, merecedor de tutela especial, o contrato de aposta se ancora na ideia de risco assumido voluntariamente pelo apostador, o que pode limitar a incidência de algumas garantias protetivas típicas do Direito do Consumidor.
Desse modo, é imprescindível um olhar, cauteloso e conceitual do ponto de vista jurídico sobre a regulamentação das de quota fixa, reconhecendo-se as suas especificidades contratuais, sem, contudo, abrir mão da necessidade de proteção consumerista do cidadão.
DA NATUREZA DO CONTRATO DE ALEA E DISTINÇÃO DO CONTRATO DE CONSUMO
Conforme acima asseverado, o avanço legislativo promovido pela Lei nº 14.790/2023 ao reconhecer direitos aos apostadores nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve ser interpretado com cautela à luz da natureza jurídica peculiar do contrato de aposta. Essa modalidade contratual, inserida na categoria dos contratos de alea, ou seja, contratos de risco ou sorte, apresenta características ontologicamente distintas dos contratos de consumo disciplinados pela Lei nº 8.078/1990. Tal distinção é essencial para compreender os limites e a extensão da proteção conferida aos participantes do mercado de esportivas.
No contrato de consumo, a prestação e a contraprestação se orientam por uma previsibilidade relativa: o consumidor adquire um produto ou serviço em troca de um valor certo, esperando uma entrega funcional e determinada. A relação é marcada por um desequilíbrio estrutural entre fornecedor e consumidor, sendo este último presumidamente hipossuficiente e vulnerável, razão pela qual o CDC intervém para equilibrar a relação, assegurando-lhe, entre outros direitos, o direito à informação adequada, à reparação de danos, à modificação de cláusulas contratuais abusivas e ao direito de arrependimento (art. 49).
Em contrapartida, o contrato de aposta envolve um elemento essencial que subverte essa lógica: a incerteza do resultado. Trata-se de uma relação jurídica fundada na assunção voluntária de risco por ambas as partes, cujo resultado é condicionado a eventos futuros, incertos e alheios à vontade dos contratantes — no caso das esportivas, o desempenho de atletas ou equipes em competições reais. A prestação da casa de só se materializa caso o evento prognosticado se concretize nos termos previamente ajustados, caracterizando, portanto, uma relação aleatória por excelência.
Essa aleatoriedade é o que afasta, em muitos aspectos, a aplicação direta de institutos protetivos próprios do Direito do Consumidor. Um exemplo emblemático é o direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC, o qual assegura ao consumidor o cancelamento de contratos firmados fora do estabelecimento comercial no prazo de sete dias, com restituição integral dos valores pagos. Tal dispositivo visa oferecer uma salvaguarda contra decisões impensadas, realizadas sob pressão ou sem o devido acesso à informação.
Portanto, fez-se necessária tal distinção entre o contrato de aposta e o contrato de consumo para não é apenas terminologia doutrinária, mas substancial, com implicações práticas relevantes para a interpretação e aplicação do direito, pois ao reconhecer a especificidade da relação contratual estabelecida nas esportivas, o ordenamento jurídico evita distorções interpretativas e assegura uma regulação mais eficaz e adequada ao fenômeno jurídico e econômico em análise.
É dentro desse arcabouço distintivo que nos debruçaremos à frente sobre as limitações ao direito de arrependimento garantido pelo art. 49 do CDC.
DAS LIMITAÇÕES DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO ANTE AO CONSUMO IMEDIATO E EXECUÇÃO INSTANTÂNEA
Para melhor delinearmos os contornos da inaplicabilidade do direito de arrependimento às esportivas de quota fixa, é essencial partir de uma análise que transcenda a mera literalidade do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Embora tal dispositivo assegure ao consumidor o direito de desistência no prazo de sete dias quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial ou por meio eletrônico, sua aplicação deve ser temperada pela análise das especificidades fáticas e jurídicas da relação contratual envolvida.
O CDC e o Decreto nº 7.962/2013, este último voltado à regulamentação do comércio eletrônico, foram concebidos em um contexto anterior à popularização dos infoprodutos e serviços digitais de consumo instantâneo, razão pela qual a aplicação automática de tais normas a realidades como as digitais, cassinos virtuais e plataformas de pode se revelar não apenas inadequada, mas também juridicamente equivocada.
A jurisprudência pátria tem reconhecido, com base no parágrafo único do art. 49 do CDC, que o direito de arrependimento pode ser restringido quando o serviço for iniciado com o consentimento expresso do consumidor e tiver sua execução instantânea e irreversível. Tal entendimento se harmoniza com a lógica das de quota fixa, cuja prestação se consuma no ato da aposta, vinculando imediatamente o apostador ao resultado de um evento aleatório e externo à vontade das partes. Não há como devolver a “aposta” após a realização do evento, tampouco reverter os efeitos da alea contratual.
A Lei nº 14.790/2023, ao disciplinar a atividade, confirma essa lógica ao prever, em seu artigo 27, inciso III, a necessidade de o operador garantir ao apostador informações claras quanto aos riscos de perda dos valores apostados e aos efeitos do jogo patológico. Essa exigência de transparência e informação desconstitui o ambiente de vulnerabilidade que justificaria o exercício do direito de arrependimento, evidenciando o caráter consciente e deliberado da decisão de apostar.
Esse entendimento encontra eco também no direito comparado. A Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu, que rege os contratos celebrados à distância no âmbito da União Europeia, dispõe em seu artigo 16 diversas exceções ao direito de retratação, entre as quais destacam-se:
⇒ o fornecimento de conteúdos digitais sem suporte físico, cujo consumo é imediato e cuja reversão é tecnicamente inviável;
⇒ a prestação de serviços totalmente executados durante o prazo de retratação com o consentimento prévio do consumidor;
⇒ a venda de produtos personalizados ou perecíveis, cuja devolução comprometeria a lógica contratual;
⇒ e os ingressos para eventos culturais ou esportivos, cuja data específica impossibilita a revenda em tempo hábil.
Por analogia, as digitais se equiparam a produtos ou serviços digitais cujo consumo é instantâneo e cuja natureza aleatória impede qualquer restituição objetiva. Assim como não se admite o cancelamento de uma transação de moedas virtuais, “skins” de ou pacotes premium imediatamente consumidos, tampouco se justifica juridicamente a aplicação do direito de arrependimento às , que se exaurem no momento de sua execução.
Importante destacar que essa inaplicabilidade não elimina a necessidade de proteção ao apostador. Ao contrário, a legislação impõe obrigações rígidas de informação, de conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e com os princípios da boa-fé e da transparência. O que se nega aqui não é a tutela, mas a aplicação automática de um instituto jurídico concebido para outro tipo de relação contratual — relações essas marcadas pela fragilidade informacional do consumidor e pela ausência de contato direto com o produto ou serviço, o que claramente não se aplica às online realizadas com total ciência e aceite dos termos.
A tentativa de impor o art. 49 do CDC a esse cenário comprometeria a segurança jurídica do setor, criaria incertezas operacionais para os prestadores de serviço e fragilizaria um mercado que, embora recente, já conta com um marco regulatório próprio e em conformidade com os padrões internacionais. Isso não apenas distorce a finalidade do instituto do arrependimento, mas também gera um ambiente de instabilidade para consumidores e operadores, em prejuízo da confiança mútua e da previsibilidade contratual.
Portanto, ainda que o apostador possa, sob determinados aspectos, ser equiparado ao consumidor no que tange a garantias mínimas — como o direito à informação, à proteção de dados e à prevenção de práticas abusivas —, a lógica contratual que rege a aposta online é de outra natureza, exigindo tratamento jurídico específico e diferenciado.
Em suma, a readequação do direito de arrependimento à natureza dos contratos de alea, como as digitais, não representa uma restrição de direitos, mas sim uma interpretação sistemática e contextualizada da legislação consumerista. É um passo necessário para garantir equilíbrio entre proteção e responsabilidade, liberdade contratual e transparência, segurança jurídica e inovação.
DA IRRESTITUIBILIDADE DAS VOLUNTÁRIAS E AS EXCEÇÕES JURÍDICAS PREVISTAS
Conforme já desenvolvido nos tópicos anteriores, a aposta regulamentada pela Lei nº 14.790/2023 insere-se no ordenamento jurídico brasileiro como um contrato de natureza aleatória, de execução instantânea e consumo imediato. Esse enquadramento implica consequências jurídicas importantes, uma das quais é a impossibilidade de restituição dos valores apostados com base no direito de arrependimento. No entanto, para além da negativa dessa devolução pelo viés consumerista, o próprio Código Civil brasileiro, em seu artigo 814, dá respaldo legal a essa tese.
Nos termos do artigo 814, “não se pode exigir reembolso de quantia paga voluntariamente para jogo ou aposta legalmente permitidos”. Em outras palavras, valores despendidos por vontade do apostador, em lícitas e regulares, não são passíveis de devolução, consolidando a irreversibilidade da relação jurídica firmada entre o apostador e a casa de . Esse dispositivo reforça o caráter definitivo da prestação realizada no âmbito contratual da alea, coadunando-se com os princípios da autonomia da vontade e do risco assumido, inerentes a esse tipo de contrato.
No entanto, o contrato de álea, existem hipóteses juridicamente reconhecidas como exceções à regra da irrestituibilidade, por violarem pressupostos fundamentais da formação contratual, as seguintes situações:
⇒ Erro técnico da plataforma, como a vinculação indevida da aposta a um evento diferente daquele escolhido pelo apostador, o que configura vício objetivo na execução do contrato e pode ser enquadrado como falha na prestação do serviço (art. 14 do CDC).
⇒ Informações enganosas ou incompletas sobre as condições da aposta, odds, regras de pagamento, entre outros, violando o dever de informação previsto tanto no artigo 6º, inciso III, quanto no artigo 31 do CDC. Nesses casos, o contrato pode ser passível de revisão ou nulidade.
⇒ Fraude ou manipulação do evento esportivo, especialmente quando houver participação ou conivência da casa de , direta ou indiretamente, caracterizando dolo ou má-fé. A fraude descaracteriza a aleatoriedade legítima e compromete a função social do contrato.
⇒ realizadas por menores de idade ou por terceiros não autorizados, como nos casos de uso indevido de dados bancários ou perfis falsos, situações que violam princípios de legalidade e de boa-fé objetiva. Aqui, além da restituição, pode haver aplicação de sanções civis e administrativas aos operadores, inclusive com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Note, em todas essas hipóteses, a base jurídica para eventuais pedidos de restituição não será o direito de arrependimento, mas sim os vícios de consentimento (arts. 138 a 144 do Código Civil), a responsabilidade por defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC), ou a indenização por descumprimento de deveres contratuais e legais (art. 20 do CDC). Ou seja, entende-se aqui muito mais como uma necessidade de anulação do negócio jurídico feito através da aposta, do que uma interpretação ou requerimento efêmero de arrependimento.
Essa distinção é de fundamental importância, pois, não se trata de retratação por insatisfação subjetiva, mas de reparação por ilícito contratual ou defeito técnico, elementos que rompem a estrutura de validade da aposta como contrato aleatório. O legislador, ao excepcionar essas hipóteses, reconhece que a proteção ao apostador deve ser ajustada ao equilíbrio entre liberdade contratual e a boa-fé objetiva.
Assim, reafirmamos que a natureza jurídica do contrato de aposta veda o uso do direito de arrependimento como mecanismo de devolução do valor pago, mas admite, em contrapartida, a possibilidade de ressarcimento em hipóteses devidamente justificadas e juridicamente embasadas.
DAS DECISÕES JUDICIAIS E POSICIONAMENTO DA DOUTRINA: O RECHAÇO AO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS DIGITAIS
A construção doutrinária e jurisprudencial acerca do direito de arrependimento nas esportivas digitais ainda é incipiente no cenário brasileiro, mas já demonstra uma tendência clara e coerente: a recusa da aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) a contratos de natureza aleatória, cuja execução é imediata e irreversível. Os tribunais têm reconhecido que, uma vez efetuada a aposta em ambiente regulamentado, com aceitação expressa dos termos e pleno conhecimento do risco, não há espaço jurídico para sua retratação, mesmo que a contratação tenha se dado por meio eletrônico.
Esse entendimento repousa sobre a constatação de que a aposta, ao contrário de produtos ou serviços com possibilidade de restituição ou cancelamento, se consuma no ato de sua formalização, vinculando imediatamente o apostador ao resultado de um evento futuro e incerto. Permitir o arrependimento após a ocorrência do evento, sobretudo diante de um resultado desfavorável, transformaria o contrato de alea em uma relação unilateralmente vantajosa, violando os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual.
Diversas decisões judiciais ilustram de forma clara essa orientação:
APELAÇÃO – AÇÃO MONITÓRIA – JUSTIÇA GRATUITA – Se a gratuidade já havia sido concedida em primeiro grau, sem notícia de revogação ou interposição de recurso pela parte contrária, não há razão para revogação do benefício em razão da interposição de apelação, se não há nenhum indício de que a parte recuperou sua capacidade financeira – DÍVIDA DE JOGO – INEXIGIBILIDADE – Tratando-se de valores entregues para, sabidamente, realizar esportivas, ainda que sob a denominação de “investimento”, a cobrança não tem cabimento, por força do que dispõe o artigo 814 do Código Civil – Precedentes – Demanda que deve ser julgada improcedente – Recurso provido.
(TJ-SP – AC: 11099834420198260100 SP 1109983-44.2019.8 .26.0100, Relator.: Hugo Crepaldi, Data de Julgamento: 29/09/2022, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/09/2022)
APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO – CHEQUES – DÍVIDA DE JOGO – OBRIGAÇÃO NATURAL – NÃO OBRIGA AO PAGAMENTO – ART. 814 DO CC – IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA JUDICIAL – NULIDADE DE TÍTULOS DE CRÉDITO. Inexigibilidade da obrigação representada nas cártulas, tendo em vista se tratar de dívida de jogo (obrigação natural) que não obriga o pagamento, ainda que representada por título de crédito, consoante inteligência do art. 814 do CC .
(TJ-MS – Apelação Cível: 0842360-40.2019.8.12 .0001 Campo Grande, Relator.: Des. Julizar Barbosa Trindade, Data de Julgamento: 24/08/2021, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/08/2021)
ÓRGÃO JULGADOR: 6.ª CÂMARA CÍVEL Apelação Cível n. 0054664-41.2023 .8.17.2001 Apelante: VICTOR HENRIQUE DE ARAÚJO CAMPOS Apelada: BLAZE ON-LINE Juízo de Origem: Seção B da 33ª Vara Cível da Comarca da Capital Relator.: Des. Márcio Fernando de Aguiar Silva EMENTA APELAÇÃO CÍVEL . AÇÃO ORDINÁRIA. COBRANÇA DE VALORES ORIUNDOS DE ONLINE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGO 814 DO CÓDIGO CIVIL . PROIBIÇÃO EXPRESSA DE COBRANÇA JUDICIAL DE DÍVIDAS DE E . EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ARTIGO 485, VI, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA . RECURSO NÃO PROVIDO. I. Ação ordinária proposta com o objetivo de cobrar valores oriundos de realizadas em plataforma digital operada por empresa estrangeira. II . O artigo 814 do Código Civil veda expressamente a exigibilidade judicial de dívidas provenientes de e , o que se aplica diretamente ao caso em análise. III. A discussão sobre a regulamentação das online no Brasil não altera a vedação legal vigente, especialmente em relação a empresas estrangeiras não regulamentadas. IV . Extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil, por impossibilidade jurídica do pedido. V. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido .. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de n. 0054664-41.2023.8 .17.2001, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do Relator, da ementa e das notas taquigráficas em anexo, que fazem parte integrante do julgado. Recife, datado e assinado eletronicamente . Márcio Aguiar Desembargador Relator
(TJ-PE – Apelação Cível: 00546644120238172001, Relator: MARCIO FERNANDO DE AGUIAR SILVA, Data de Julgamento: 10/09/2024, Gabinete do Des. Márcio Fernando de Aguiar Silva (6ª CC))
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO – Afirmação de aplicação de dinheiro e promessa de ganho – Ausência de pagamento – Indicação de que cuida-se de contrato de jogo e aposta em de futebol americano- Obrigação Natural – Impossibilidade de exigir judicialmente a devolução da quantia aportada – Apelo provido.
(TJ-SP – AC: 10118918620198260114 São Paulo, Relator.: Almeida Sampaio, Data de Julgamento: 31/08/2023, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/09/2023)
Esses julgados consolidam uma compreensão jurídica que, embora recente, tende a se firmar como majoritária: não se pode invocar o direito de arrependimento como subterfúgio para reaver valores apostados voluntariamente após a não obtenção de ganho. Essa tentativa configura não apenas uma distorção da função protetiva do CDC, mas também uma afronta à lógica própria do contrato de aposta.
O que se permite, como já analisado em tópico anterior, são exceções pontuais em que se verificam vícios de consentimento ou falhas na prestação do serviço, como nos casos de:
⇒ erro técnico da plataforma;
⇒ informações enganosas quanto às condições da aposta;
⇒ fraude comprovada;
⇒ ou realização da aposta por menor de idade ou incapaz civil.
Na ausência dessas condições excepcionais, resta evidente que a tentativa de invocar o art. 49 do CDC para justificar a devolução dos valores apostados deve ser repelida. O contrato de aposta digital é instantâneo, aleatório e consumado com o pleno consentimento do usuário. Assim, as decisões judiciais têm reafirmado que o direito de arrependimento não se aplica a esse tipo de relação, sob pena de desvirtuar a segurança jurídica do setor, fomentar litígios oportunistas e comprometer a integridade do mercado de , que hoje já conta com marco regulatório claro e efetivo.
A jurisprudência nacional, embora ainda em fase de amadurecimento, já apresenta precedentes firmes no sentido de negar a possibilidade de devolução dos valores apostados com fundamento no artigo 49 do CDC, reforçando a doutrina que distingue o contrato de aposta dos contratos de consumo tradicionais. A aplicação do artigo 814 do Código Civil, nesse cenário, desempenha papel central ao reconhecer que, uma vez feita a aposta em ambiente legal e regulamentado, os valores pagos voluntariamente não são exigíveis de volta.
Portanto, em conclusão, a regulamentação das esportivas de quota fixa no Brasil, consolidada pela Lei nº 14.790/2023, representa um avanço significativo na estruturação de um mercado em franca expansão, equilibrando interesses econômicos e a proteção ao apostador. Contudo, a natureza aleatória dos contratos de aposta, distinta dos contratos de consumo tradicionais, impõe limitações claras à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que tange ao direito de arrependimento previsto no artigo 49. A jurisprudência brasileira e a doutrina reforçam que, salvo em casos de vícios de consentimento, erros técnicos, fraudes ou por incapazes, os valores apostados voluntariamente não são passíveis de restituição, conforme disposto no artigo 814 do Código Civil. Essa abordagem assegura a segurança jurídica do setor, promovendo um ambiente de confiança e previsibilidade para operadores e apostadores, ao mesmo tempo em que preserva a essência do contrato de alea e os princípios da boa-fé e da autonomia da vontade.
(*) Rodrigo Gonçalves é advogado da Daniel Sintônio Advocacia e Assessor Jurídico para assuntos do BPX Bets Sports Group (Vaidebet/Betpix365/Obabet)
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