

O depoimento de Virgínia Fonseca na CPI que investiga o mercado de esportivas no Congresso brasileiro foi um fiasco. Ao menos para uma parcela considerável da população, que viu na cena um resumo do atual estado das coisas no encantado mundo digital.
Virgínia, uma milionária de 26 anos de idade se comportando como uma adolescente imatura, impressionou pela falta de compostura diante de políticos que pareciam ainda menos preparados para a ocasião.
O tema era bastante sério: a arapuca financeira que se tornaram as incentivadas nas redes sociais por influenciadores como Virgínia.
Os críticos foram rápidos em apontar Virgínia como uma aproveitadora da boa fé de seus seguidores. Mas vale lembrar que ninguém coloca uma arma na cabeça das pessoas para que elas apostem. O mesmo se pode dizer das milhares de pessoas que compram produtos vendidos por influenciadores por livre e espontânea vontade.
O fato é que Virginia não é a causa, mas produto de um ecossistema problemático. À medida que o digital cresceu fazendo disparar o número de plataformas de entretenimento, reter a atenção das pessoas tornou-se cada vez mais difícil. Facebook, Instagram, YouTube, TikTok… o desafio das marcas para chamar a atenção das pessoas é inversamente proporcional ao número de plataformas.
A saída para as marcas foi investir onde era possível atingir o maior volume de atenção pelo menor custo. A influência digital, particularmente durante a pandemia, se tornou a resposta. O resultado foi que o dinheiro das marcas ajudou a criar figuras como Virgínia e tantos outros que ganharam fortunas com publicidade. Se no passado ficar milionário aos 26 anos era uma possibilidade limitada aos jogadores de futebol, o vale-tudo da influência tornou isso teoricamente alcançável para qualquer um.
Fadiga de influência e busca por novos caminhos
“A Virgínia é o retrato mais contundente do que é a economia da atenção como a gente conhece: onipresença, escala absurda, domínio de formatos e plataformas… e tudo muito bem executado”, diz Bia Grande, estrategista e autora da newsletter POV: Creator Economy. “Ela entendeu como capturar atenção e construiu um império em cima disso. Isso não é uma crítica, é uma constatação: ela entendeu as regras do jogo e jogou bem”.
Segundo Granja, o que aconteceu na CPI das bets expôs de certa forma um curto-circuito cultural: de um lado, uma influenciadora com 53 milhões de seguidores sendo investigada por promover algo questionável (mesmo que dentro da lei), do outro, parlamentares usando o momento como uma oportunidade para tirar selfie, quase como se a fama dela fosse mais relevante que o motivo da convocação. “Foi constrangedor. E muito simbólico”, afirma Granja.
“O choque que isso causou mostra uma fadiga: a atenção continua sendo moeda valiosa, mas o que a gente faz com ela está começando a importar mais. Existe uma mudança em curso, da quantidade para o contexto. Da exposição para a intenção” acrescenta Granja.
Em um mundo saturado de ruídos e disputa pela atenção, o caso Virgínia talvez evidencie que há mais pessoas buscando algo diferente do que vemos no nosso cotidiano e em nossos feeds.
O dilema da influência é que quanto mais sucesso você faz, mais polêmicas você atrai. Algo natural em um mercado onde a atenção é um recurso limitado e a concorrência crescente.
As marcas temerosas pelo dano de imagem, e em alguma medida já entendendo que as pessoas buscas algo diferente do encantado mundo de Virginia, já tem mudado de estratégia, deixando os influenciadores com muitos seguidores de lado e buscando aqueles com comunidades mais engajadas e propósito mais evidente.
Virgínia converte, mas não é uma “queridinha” das marcas
Virginia “converte” e é um fenômeno de vendas. É o que as três agências de influência ouvidas pela coluna afirmam. “Mas note que as grandes marcas se afastaram de figuras como ela”, diz uma especialista em influência. “Ela é uma das mães mais conhecidas do país, tem foto e vídeo com os filhos o tempo todo no Instagram dela, mas na hora de fazer campanha, particularmente nesse ano, grandes marcas não a procuraram”.
No feed de Virgínia no Instagram, onde ela tem mais de 52 milhões de seguidores, há uma campanha da Anacapri, marca de calçados, no período do dia das mães. Grandes ações são pontuais quando comparadas às aparições da Wepink, marca própria da influenciadora.
“A Virgínia é popular, por isso o programa no SBT deu certo. Para as marcas populares ela talvez ainda funcionasse, mas a tendência é que até essas marcas parem de anunciar e ela precise investir ainda mais nos próprios produtos”, diz uma diretora de agência. “Mas até aí deve ser um problema, porque a concorrência também vai crescer à medida que influenciadores mais nichados também entrem nesse mercado de produtos próprios.”
Apesar dos milhões que fatura e da multidão de seguidores, para as marcas, Virgínia cada vez mais é passado. E isso não deve ser um problema para ela, já que a jovem deverá manter um público fiel entre seus seguidores. Após a aparição na CPI, Virgínia teria perdido mais de 200 mil seguidores. Um número considerável, mas menos de 0,38% dos seguidores dela no Instagram.
Métricas de vaidade precisam ser repensadas
O caso Virginia deixa uma lição importante. Cada vez mais, atenção não implica confiança; cliques não se convertem em lealdade e seguidores não blindam reputações quando a ética é posta à prova. O problema não está apenas na Virgínia, mas no sistema que transformou influência em commodity e métricas de vaidade em norte estratégico. Como disse Granja anteriormente, cada vez mais as pessoas buscam algo que vá além desta dinâmica.
Se o poder da influência já se anunciava instável, a ascensão da inteligência artificial generativa acelera a dissolução desse modelo. Algoritmos conversacionais como ChatGPT começam a filtrar, contextualizar e — sobretudo — antecipar necessidades do usuário, deslocando o centro de gravidade do marketing: em vez de disputar atenção em massa, será preciso entender e atender às intenções particulares.
A indústria de “creators” não desaparece, mas muda consideravelmente. O criador-celebridade, focado em exposição, cada vez mais dá lugar ao criador-especialista, capaz de servir como fonte de informação e solução para micro-comunidades bem definidas.
A transição já tem nome nos relatórios de tendências: economia da intenção.
De economia da atenção para economia de intenção
Em 2026, o marqueteiro Doc Searls cunhou o termo “Economia da Intenção” para descrever um mercado orientado pelo cliente, Mas um artigo recém-publicado na Harvard Data Science Review deu uma nova conotação ao termo, no qual impulsionados pelos avanços em IA e aprendizado de má, os autores descrevem um futuro cenário econômico em que grandes modelos de linguagem conseguem captar, interpretar — e potencialmente manipular — as motivações e intenções dos usuários.
Em outras palavras, seus desejos estão se tornando a nova moeda. Essa tese também foi defendida pela agência Huge em um texto publicado em fevereiro passado na Fast Company.
Por essa lógica, as marcas precisam identificar momentos de alta propensão à compra — não apenas perfis demográficos — e oferecer valor imediato, não ruído visual.
Sai Virgínia e entram milhares de influenciadores, inclusive virtuais e criados por IAs, que conversam de maneira mais próxima e construtiva com sua comunidade.
A mudança já está em curso. Influenciadores como MrBeast já notaram a mudança e estão se adaptando. O maior YouTuber do mundo já faz vídeos mais lentos, e a exemplo de Virginia, produz conteúdos mais longos e densos. Ele indo para a Amazon Prime, ela para as noites de sábado no SBT apresentando um programa de entretenimento.
Saem os vídeos curtos e de cortes rápidos e entram as conversas mais pausadas, longas e estruturadas. Ironicamente, é uma volta ao passado. Grandes nomes como MrBeast e Virginia investem em conteúdos de atenção concentrada, típicos da TV, um meio tradicional.
O que muda para influenciadores e anunciantes
Na outra ponta, dados de primeira mão (zero-party data), equipes de conteúdo capazes de responder dúvidas reais e, principalmente, transparência, ganham peso enquanto são digeridos pelas IAs. A medida de sucesso não irá se limitar a likes ou número de seguidores. Métricas de intenção como profundidade de rolagem, taxa de salvamento de conteúdo, conversões assistidas, e a capacidade de gerar conversas serão determinantes para determinar os vencedores.
Significa, porém, reconhecer que o usuário, empoderado por IA e cansado de anúncios e personalidades intrusivas, só cederá atenção em troca de utilidade ou pertencimento (e isso pode até ser se sentir parte da vida da Virginia e sua família).
Virgínia Fonseca continua relevante entre fãs que acompanham sua rotina familiar, mas sua passagem pela CPI marca um divisor de águas: testemunhamos, ao vivo, a implosão da lógica “mais alcance = mais confiança”.
As marcas que insistirem em comprar influência como quem compra espaço publicitário correm o risco de repetir, em breve, o constrangimento exibido em Brasília. As que migrarem para a economia da intenção — construindo relevância a partir de dados consentidos, conteúdo de serviço e relacionamento genuíno — encontrarão, do outro lado, consumidores dispostos não apenas a ouvir, mas a gastar.
A atenção sempre será um recurso finito. A intenção, quando respeitada, converte-se em valor duradouro. Essa é a lição que ecoa da CPI das bets — uma aula gratuita que nenhuma marca deveria desperdiçar.
(*) Guilherme Ravache é consultor e atua em projetos de jornalismo digital no Brasil e exterior. Nos últimos anos, especializou-se na cobertura do mercado de mídia. O artigo foi veiculado no VALOR.
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